(AVISO: Sim, nossa empresa tem um sistema automático de pesquisas pulso, mas só recomendamos quando realmente é necessário.)
Desde que os fabricantes de aplicativos e softwares descobriram a tal da “receita recorrente” e acenar o indicador “RRM” (Receita Recorrente Mensal) para atrair investidores, vimos surgir as pesquisas pulso como a última palavra em termos de gestão de pessoas. Você envia uma pesquisa curta semanal ou quinzenalmente para as equipes e vai acumulando dados.
Isso é ótimo para o fornecedor, que cobra mensalmente um valor por colaborador e faz uma fidelização forçada pois, quando a empresa quer parar os ciclos de pesquisas, ela vai ser alertada pelo “gerente de fidelização” que os colaboradores podem ficar insatisfeitos pois a empresa está “tirando um canal de comunicação” ou “parando de ouvir a voz das equipes” e que estas equipes terão uma experiência muito ruim.
É ótimo para o fornecedor, mas péssimo para a empresa, por alguns motivos:
1. O excesso de pesquisas causa um efeito chamado OVER-SURVEY, que é caracterizado pela queda de adesão com o passar do tempo, aumento de expectativas quanto a mudanças, presença proporcionalmente maior de respondentes insatisfeitos nas respostas coletadas. Ele entra para responder quando acontece algo que o incomoda, o que por si só já seria um problema, que é agravado pela infantilização das relações pessoais, pois a conversa entre gestor e equipe fica resumida ao questionário respondido e não o fértil campo do diálogo. Como escreveu Jeanne Liedtka, estrategista, design-thinker e professora da Universidade de Columbia: “A conversa é a melhor tecnologia que um gestor pode possuir.”
2. Responder pesquisas é uma atividade que pouca gente adora, vamos falar a verdade, e pesquisas são diagnósticos, que medem a saúde da empresa nos diversos processos de gestão. Fazendo esse paralelo, imagine se fizéssemos nossos exames periódicos semanais ao invés de anuais. Quem iria gostar? Toda segunda feira, coletar uma gota de sangue para um indicador do hemograma para dar o resultado de eritrócito, mais uma daí a 15 dias para hemoglobina, outra 30 dias depois para hematócrito e daí vai. Não faz o menor sentido. Principalmente pelo fato dessas variáveis, como as do clima e engajamento, serem interdependentes e o diagnóstico e as recomendações serem dados pelo conjunto e não por um único indicador.
3. Só pesquisar não muda nada. Não será aumentando a quantidade de pesquisas que fará seus colaboradores mais engajados, por óbvio. O que faz o ponteiro mudar é a qualidade e a eficácia das ações propostas e é aqui que se deve atuar com diligência e atenção, criando um processo contínuo de checagem e validação das ações propostas.
A nossa vida é uma jornada, não um amontoado de eventos que nos moldam e moldam nossa opinião. Trazer a lógica das redes sociais para dentro da empresa é temerário, pois sabemos o que elas tornam os relacionamentos rasos e polarizados. (Se não assistiu ainda “O Dilema da Redes”, assista, é muito instrutivo).
4. Os dados devem ser quantitativos. Imagine uma área com 10 pessoas fazendo pesquisas semanais durante 1 ano. Os desafortunados teriam que responder 52 pesquisas. Teriam, mas não respondem, pois depois da quarta vez que chega o email pedindo para ele clicar em uma carinha ou desenhinho, ele se aborrece e para de responder. Só volta quando estiver chateado e pronto para falar mal de algo que aconteceu.
E se 2 respondem e 8 não e os dados dizem que a comunicação está muito ruim. Lá vai o coitado do gestor resolver seu problema inexistente de comunicação.
5. Um outro ponto que os defensores das pesquisas pulso advogam é que as pesquisas anuais tiram uma foto do momento, enquanto as pesquisas pulso trazem um filme. Mas seria como assistir pedaços de 12 filmes diferentes, caso se fizesse pesquisa mensal. Um mês você assiste ao pedaço da comunicação, no outro da liderança, no outro do desenvolvimento e daí vai. Fotografias mensais não formam um filme. Você tem uma foto por ano de cada dimensão, sem poder analisar as correlações e interdependências entre elas, como apontamos no item 2.
6. E para terminar: se um gestor de uma área com 10 pessoas precisa de 12 ou até 52 pesquisas anuais para saber como está sua equipe, me desculpe, ele não nasceu pra ser gestor.
– Mas quando deve-se recomendar uma pesquisa pulso?
– Em casos onde se tenha identificado uma causa raiz dos baixos resultados da pesquisa âncora e o gestor está ciente, compromissado e aberto para implementar ações de ciclos curtos. Mas isso sempre em intervalos maiores que 2 meses. Terminado o ciclo, encerram-se as pesquisas.
Se quiser conversar sobre isso, estamos à disposição.
Abraço!