O Propósito e o tênis falsificado.
Você já deve ter notado que o RH é pródigo em trazer conceitos do marketing para dentro da empresa. Veja a experiência do cliente que virou a experiência do colaborador, o NPS que se tornou o e-NPS, o engajamento do cliente que virou o engajamento do colaborador, a jornada do cliente que se metamorfoseou na jornada do colaborador, conceito de geração consumidora X, Y, Z, millennials e dai vai. Parece bastante óbvio que não faz o menor sentido usar destas aproximações da maneira literal.
Quero aqui refletir sobre uma dessas aproximações que está muito na moda hoje: o propósito, este incompreendido.
O jovem e o propósito.
Alguns podem não lembrar, mas já fomos jovens e lá na juventude, buscávamos nos conectar a alguma coisa grande, importante, para preencher aquele vazio que aparece quando crescemos e temos que ir para o mundo, saindo debaixo das asas dos pais.
Essa busca por algo maior foi muito bem detectada pelo marketing que conectou esses sentimentos “aspiracionais” às declarações de propósito cuidadosamente escritas de algumas empresas, fazendo acontecer a lógica do “eu uso essa marca e vou ser reconhecido como alguém que tem os mesmos atributos da marca”.
Veja alguns dos propósitos de marcas conhecidas:
TESLA: Acelerar a transição do mundo para a energia sustentável.
GOOGLE: é organizar as informações globais e torná-las universalmente úteis e acessíveis.
FACEBOOK: Tornar o mundo mais conectado.
NIKE: Trazer inspiração e inovação para cada atleta do mundo.
APPLE: Mudar o mundo e a forma como as pessoas se comunicam.
ITAÚ: Estimular o poder de transformação das pessoas.
Retornando. O problema é que isso funcionou muito bem quando internalizamos a lógica de apresentar esse tipo de propósito para os empregados e colaboradores se conectarem, pois todos estamos cada vez mais carentes de sentido em nossos trabalhos e, quando vemos algo que nos parece ser apetecível, embarcamos e nos entregamos a uma “causa” oca, que vai fazer com que adiemos um pouco mais a busca madura de projeto real de vida, trocando-o pelo projeto de vida do fundador da empresa.
Em outras palavras, com esse falso propósito que faz as pessoas trabalharem 14 horas por dia e darem menos atenção à vida real, as empresas estão, em última análise, dificultando o processo de desenvolvimento de seus colaboradores, preenchendo com tolices um lugar importante de suas vidas e tornando-os menos integrados e críticos com o mundo à sua volta.
Esse espaço deveria ser deixado para que eles criassem suas próprias jornadas e causas, tendo a empresa como apoiadora.
👉 Aonde quero chegar?
Começo a perceber que muitos que leram o que Simon Sinek escreveu em “Comece pelo Porquê” e Frederick Laloux no seu “Reinventando as Organizações” talvez tenham traçado o mesmo paralelo que os RH fizeram com o marketing. A leitura na íntegra das análises, deixando para lá o senso crítico, imaginando que alguém vá trabalhar na Nike porque quer “Trazer inspiração e inovação para cada atleta do mundo”, ou no Google porque “quer organizar as informações globais e torná-las universalmente úteis e acessíveis”.
Eles querem trabalhar lá por status, possibilidade de desenvolvimento, aumento empregabilidade, ficam lá por conta dos relacionamentos, do crescimento e saem de lá devido aos maus relacionamentos, à política, aos líderes, ao jogo de poder ou à negação de tudo o que o atraiu.
O PROPÓSITO é aquilo que Simon Sinek descreveu como “o porquê”: Por que estou fazendo esse trabalho?
Se uma pessoa sabe como seu trabalho se conecta ao trabalho dos colegas e da empresa como um todo, ela aumenta sua conexão com esse trabalho. Explicando o “porquê” das coisas, os gestores não só aumentam o engajamento e a produtividade de suas equipes, mas também os direcionam para um caminho do desenvolvimento, da autonomia, do pertencimento e do senso de utilidade, fundamentais para a saúde emocional e física, sem precisar invocar a bruxaria do “Mudar o mundo e a forma como as pessoas se comunicam.”
O nosso trabalho deve ser algo que fazemos para termos energia (relacionamentos, apoio, crescimento, status, empregabilidade, dinheiro e outros recursos) para realizarmos os NOSSOS SONHOS e o NOSSO PROPÓSITO, não o propósito de uma empresa.
Então, caro dono de empresa que pode estar quebrando a cabeça para escrever um propósito ou um objetivo Grande, Audacioso e Cabeludo, afirme que seu propósito é oferecer um ambiente seguro, que desenvolve, com relacionamentos construtivos, com oportunidades, com aumento de empregabilidade, com um salário justo onde ele vai ter um grande apoio para crescer e alcançar os objetivos dele, sejam quais forem. O colaborador vai se sentir enormemente conectado à sua empresa, se engajando nos seus objetivos, pois fazem sentido para os objetivos dele.
Caso contrário, você vai correr o risco de vender um Nike falsificado para o seu time.
Grande abraço!
Alvaro Mello
CEO Carvalho e Mello