É bastante comum encontrarmos profissionais de RH sendo instados a conduzir mudanças culturais em suas empresas da mesma forma que trabalham os planos de ações não culturais, como por exemplo os de pós pesquisa de engajamento e clima, com um plano organizacional de apoio aos gestores e ações nas áreas. Atuando assim, a possibilidade de mudanças no DNA (ou cultura) da empresa é pequena. Por quê?
Siga o raciocínio:
Uma maneira de entender a Cultura é definindo-a como:
A nossa maneira de pensar, que determina o nosso jeito de fazer as coisas, que determina o nosso jeito de pensar.
Ou seja, nossas crenças nos fazem agir de uma determinada maneira e o resultado dessas ações, reforçam nossas crenças.
Se queremos mudar algo na cultura da empresa temos que atuar em dois pontos deste ciclo: nas crenças e nas ações, pois mostramos como queremos pensar e perceber o mundo à nossa volta e agir, implementando ações que reforcem nosso modo de pensar. Assim o ciclo vai se deslocando para a realidade que queremos.
Parece papo de final de noite numa mesa de bar, mas é assim que acontece.
Vamos pensar em um exemplo de uma empresa que tem o desafio de mudar de uma cultura onde as equipes ficam imersas e consumidas pelo seu trabalho e a cooperação é baixa para um trabalho cooperativo e contributivo.
Se alguém interpreta isso como um problema de clima organizacional, a intervenção padrão seria curso de Trabalho em Equipe para os gestores e Team Building para as áreas mais degradadas. Fazendo desta forma, estaríamos atuando apenas na camada dos sintomas, desprezando os outros layers geradores destes sintomas.
Temos então que criar algo que atue nas crenças e na maneira de fazer as coisas e cada uma destas ações de mudança de cultura nós chamamos de artefatos culturais, que devem seguir algumas premissas para serem criados.
1. Nenhum artefato é perfeito e serve para todas as circunstâncias, logo, não se apaixone por ele, pode ser frustrante.
2. Um artefato tem que ser bom o suficiente e seguro o suficiente para ser implementado. Ele precisa ter bons indícios de que trará resultados e se porventura não trouxer, não vai impactar negativamente o dia a dia da organização. Bom o suficiente, seguro o suficiente.
3. Pode e deve ser ajustado continuamente, com os feedbacks dos envolvidos interna e externamente.
4. O foco deve ser na EXPERIÊNCIA das pessoas quando em contato com esse artefato.
5. Artefatos podem ser físico ou não, e devem ter impacto nas crenças e nas maneira de fazer as coisas. Pode ser uma reunião, um rito, um cartão, um símbolo, uma nova sala ou estrutura, um troféu e diversas outras coisas.
6. Precisa ter uma maneira de ter seu impacto avaliado.
7. Deve ser fácil de implementar e de entender como funciona.
O exemplo
Então, o que seria uma abordagem cultural para o desafio do trabalho colaborativo?
Nome do artefato:
Quinze minutos de prosa.
Apresentações do tipo TED.com
Descrição:
Uma apresentação de 15 minutos no máximo de um dos membros do time sobre algo que ele entende e é apaixonado. Nos moldes das palestras do TED.com.
Para dar o pontapé inicial, identifique pelo que alguns membros da equipe são apaixonados e convide alguns deles para fazerem uma apresentação do tipo TED.com, com no máximo 15 minutos. Uma pessoa, um assunto e uma plateia.
Feito o primeiro, abra inscrições para os próximos.
Exemplo:
-O que mudou durante meus 12 meses de regime.
-O que já vi com meu telescópio.
-Meu ano sabático.
-Construí uma horta de 2m² em meu apartamento.
Frequência:
Pode ser mensal ou bimestral com 2 ou 3 pessoas apresentando seus causos.
Premissa:
A ideia aqui é criar um artefato que possibilite conexões um pouco mais profundas entre as pessoas, pois quando alguém conta uma história com paixão e conhecimento, ele toca os corações, criando vínculos. Com isso se abre um canal de boa vontade que facilitará a propensão a apoio, ajuda e colaboração, deixando de lado a visão de que se tem ao lado apenas colegas de trabalho, mas sim pessoas com emoções e sentimentos com as quais se compartilham experiências únicas.
Cuidados:
Inicialmente dê preferências aos palestrantes que tenham uma experiência pessoal e profunda com o tema. O principal objetivo aqui é mostrar uma pequena parte da biografia da pessoa que trabalha ao seu lado, com suas histórias, paixões, sentimentos e conquistas, criando vínculos. Com o tempo as pessoas vão “pegar o jeito” e se sentir mais à vontade para as apresentações.
Preparação:
Assista com a equipe algumas palestras icônicas do TED.com e outras menos famosas, do TEDx por exemplo, para eles entenderem o espírito da coisa. Faça um pequeno guia para as apresentações, reforçando a importância do contar uma história, do sentimento, da conexão e da transformação. Não é uma competição pelo PowerPoint mais bonito, o que vale é a história contada. O tempo é inegociável, serão 15 minutos no máximo. (Recomendo fortemente a leitura do livro TED Talks: O guia oficial do TED para falar em público, do Chris Anderson)
Comunicação:
A mudança deve acontecer nas crenças e nas ações para elas se retroalimentarem, logo é importante comunicar como é que queremos trabalhar de maneira colaborativa, que isso foi identificado como uma oportunidade de melhoria e que será um desafio onde estarão todos envolvidos. Faça algumas afirmativas do tipo:
“Aqui na empresa nós valorizamos a construção de relacionamentos fortes e colaborativos de modo a entregar mais VALOR para nossos colegas, clientes internos e externos.”
Explique o que é a ação “Quinze minutos de prosa”, que será mensal, terá uma lista de inscrição e precisa seguir uma estrutura básica. Coloque as pessoas nesse barco!
Repita a comunicação do que se espera, todo mês na hora da convocação da reunião de apresentação e aos poucos, incremente apresentações compartilhadas, onde a cooperação vai aparecer também.
Indicadores de sucesso:
-Indicadores de colaboração e trabalho em equipe na pesquisa de engajamento e clima.
-Número de inscritos e apresentações realizadas.
-Pesquisa qualitativa com o público participante.
Resumindo:
Comece a trabalhar a cultura com um artefato reprodutível, que entrega uma experiência boa para as pessoas, bom o suficiente e seguro o suficiente para ser implementado, que atua na camada da cultura e pode ter sua eficácia medida. Passou no teste.
Veja também: Os primeiros passos na criação da cultura de Engajamento em pequenas e médias empresas
Esta é uma maneira menos estruturada e mais soft de se trabalhar cultura, mas quando as intervenções e a abrangência são maiores, recomendamos estruturar o trabalho com um grupo ou “squad” dedicado de cultura. Há um excelente material da Target Teal que aborda muito bem esse processo: Guia do Design Cultural. Vale muito a leitura.
E se quiser, podemos conversar um pouco mais sobre isso.
Abraço,
Alvaro Mello
www.carvalhoemello.com.br
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